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buscamos nitidez nos nossos projectos pastorais (fotografia: Ricardo Correia - Reservados todos os direitos e mais alguns)

terça-feira, 2 de novembro de 2010

MITP - Frei Bartolomeu dos Mártires - um percursor de metodologias de investigação

O que aqui se apresenta é um resumo da actuação pastoral de Frei Bartolomeu dos Mártires na sua época e tendo em conta o seu contexto. Este texto resumo tem como base bibliográfica o IV capítulo da obra "Teologia Prática Fundamental - Fazei Vós Também" de José da Silva Lima (pp. 154-177). Pode ser pretensiosa a colocação dos vários métodos de teologia pastoral que aparecem em itálico, no fim de alguns espaços do texto. Não se trata, como é óbvio, da utilização clara da metodologia, no entanto, algumas das suas características e etapas estão claramente presentes.  
Frei Bartolomeu dos Mártires surge depois do Renascimento, no caminho da Igreja de Braga, na transição da Idade Média para os séculos da modernidade. Em pleno século XVI, nos alvores de uma transformação radical do posicionamento do Homem no mundo. Tempo da Contra-Reforma, pós Lutero e Erasmus. D. Frei Bartolomeu dos Mártires, arcebispo de Braga entre 1558 e 1590, no seu contexto traça horizontes pastorais de envergadura numa acção eclesial concertada a partir das ideias de Trento. (discernimento e projecção).
Na sua missão, o arcebispo empreendeu um trabalho de fôlego, não deixando nenhuma igreja sem visita, inteirando-se assim do estado real da sua grei, não só pelos diálogos e pelo anúncio da doutrina, mas pelos sinais concretos de indigência, de desleixo e de míngua que diagnosticou. Mostrando solicitude pastoral, enfrentando as situações, não perdia as ocasiões próprias para exortar, repreender, castigar e também consolar e socorrer espiritualmente e materialmente o seu rebanho. (ver, julgar e agir).
D. Frei Bartolomeu dos Mártires presidiu à primeira diocese de Portugal, a maior em paróquias e a mais abastada em rendimentos, embora onerada com muitas pensões e povoada de muitos pobres e infelizes.
Se o tempo de D. Frei Bartolomeu dos Mártires era de excessivo centralismo romano, assemelhando-se o papado a um grande império e o Papa ao imperador que dispunha das coisas do tempo por influências, desenvolvendo o nepotismo, exigindo taxas e usando as bulas nem sempre com o rigor que espiritualmente seria exigido, foi também uma época marcada pela acumulação de benefícios, cujos rendimentos caíam repetidas vezes nas mesmas mãos, num sistema de favores a famílias de príncipes e num desconhecimento quase completo dos fregueses e da sua forma de vida. 
O sistema vigente alimentava um vírus pernicioso no tempo, pernicioso particularmente para a cura de almas, dado que muitas vezes os beneficiários nem conheciam benefícios nem fregueses. Grave era o que se passava no domínio do absentismo, contra o qual o arcebispo desenvolveu um a luta sem trégua.
O tempo era também o de um marcado superficialismo, atribuindo importância ao exterior e à fachada das coisas e relegando para o campo acessório as realidades mais estruturantes da fé. Nos mosteiros a situação não era de louvor, nem um número nem em qualidade. Eram todos de baixa condição, mais para cavar do que para o ofício divino, ocupados em tratar das hortas e preparar a sua comida. O panorama é também desolado no quadro do clero diocesano, não só pelo “desamparo” diagnosticado em relação “às pobres ovelhas”, dada a ausência e a ocupação noutros afazeres, mas também porque se instalaram a frieza, a negligência, os vícios, a ignorância e muitas vezes a desonestidade com o mau exemplo de vida subsequente.
A míngua espiritual e a ignorância dos pastores, denotando superficialismo e apego aos bens terrenos, reflectiam-se na situação religiosa do povo de Deus. O povo reflectia este estado de coisas: a ignorância religiosa era comum, repercutindo-se no desrespeito pelas normas de santificação do domingo e das festas de guarda; crendices, superstições, blasfémias, práticas de tipo natural, desregramentos morais no foro familiar e pessoal, atentados à vida em práticas abortivas. Um quadro geral do povo simples que remete para uma ausência de recursos humanos qualificados, para a inexistência de subsídios pastorais de interesse (como catecismos e manuais adequados), para a inércia e mesmo para a letargia de fôlego espiritual que o Concilio de Trento e o arcebispo de Braga recuperaram, protagonizando uma trajectória de renovação pastoral. (método de discernimento teológico-pastoral).
O sistema operativo que faria avançar uma acção pastoral de profunda renovação com futuro, assentava na plataforma inequívoca da formação dos agentes, já que todos necessitavam dela, era um direito dos fiéis e, por isso, também um dever de incentivo para com os clérigos, então agentes imprescindíveis do empreendimento pastoral. Impunha-se uma profunda estruturação da formação, estruturação que produzisse a médio prazo os seus efeitos e que pudesse também responder aos problemas de moralidade que se revelavam de urgência. (caminho empírico crítico)
A moral foi sempre uma preocupação do prelado, sobretudo o sentido pastoral do dever de conhecer os seus fundamentos doutrinais, voltado que estava para a instrução daqueles que se dedicavam à cura de almas. As cadeiras de casos de consciência nasceram com este objectivo. A correcção de costumes só seria possível se houvesse preparação doutrinal que fundamentasse à luz do Evangelho as práticas cristãs aconselháveis. Tratava-se de uma necessidade urgente, para que os párocos se convencessem e elucidassem os fregueses na confissão.
A preparação do clero teve a sua coroa na criação do Seminário Conciliar, que o Arcebispo considerava uma coluna fundamental da Reforma. Pretendia um seminário que preparasse clero abundante e cultural e espiritualmente apto para resolver os graves problemas pastorais da Arquidiocese, objectivos que defendeu em Trento e que viu integrados no Cânone conciliar dos Seminários para seu júbilo e sobretudo para a restauração da Igreja.
A cultura, porém, ministrada pelas escolas, com dificuldade alcançava a massa anónima das aldeias e cidades. Era preciso recorrer ao livro, que adestrasse na virtude e no saber os párocos e directores de almas. Tinha o arcebispo solicitado a tradução da Suma Caetana para ajudar os párocos na cura de almas, resolvendo particularmente os casos de consciência e esclarecendo os princípios de teologia moral, imprimindo-o em 1566. Já antes o arcebispo tinha levado à estampa o Tratado de aviso dos Confessores, impresso em 1560. Nas Considerações para pregar, escritas em Trento e inspiradas em Santo Agostinho o Pastor da Igreja de Braga insistia sobre a missão do pregador, não tanto afinada ao seu luzimento e louvor, mas sobretudo voltada ao ensino e à instrução doutrinal. Não importava apenas, segundo o Arcebispo, fazer face à importância da elucidação da consciência individual, criando um universo simbólico cristão, mas importava também fazer da Liturgia um momento solene de evangelização. A situação do clero não o permitia. Poucos eram idóneos para uma preparação conveniente. A “prática” da missa, que para tal poderia ser aproveitada, era simplesmente negligenciada. Os pastores não estavam preparados. O Catecismo ou Doutrina cristã e Práticas Espirituais, escrito e publicado na altura do Sínodo de 1564, é um instrumento para acorrer à insuficiência de muitos curas neste ministério da palavra, todo entretecido de instruções doutrinais, em forma de homilia, lidas obrigatoriamente à assembleia crista, à estação da missa, nos dias festivos, sob pena de desobediência e de multa por cada vez que os curas omitissem a leitura. Estavam assim disponíveis os subsídios pastorais indispensáveis para que ao cura de almas não faltasse o acesso à doutrina que deveria partilhar de forma permanente com o seu povo. (método dedutivo).
Num dispositivo pastoral que edificou, o perfil de “pároco ideal” comportava dez traços característicos. Não se trata de um funcionário da paróquia, mas de alguém com missão pastoral velando e guardando que Deus não seja ofendido. Pertence-lhe, também, socorrer espiritualmente e trazer à vida da graça os infelizes pecadores. Para isso obriga-se o pároco a estar no meio do seu rebanho, acudindo às necessidades. Deve ele antecipar-se a conhecer a sua grei, possuindo um “ficheiro paroquial” como auxiliar da sua missão. Terá especial atenção à família, já que ela é a alma da paróquia. O pároco é na paróquia quase o que o Bispo é para a diocese, donde dimana a sua atenção à prática das obras de misericórdia. A sua actuação terá a preferência dos mais pobres, avisando o prelado dos mais necessitados, a quem ele nem por si, nem pedindo pela freguesia, pode socorrer. Cuida da pregação da palavra, por si ou por outrem, de forma que os fregueses possam repreender os seus vícios. Seja ministro digno do sacramento da penitência. Procure uma consciência irrepreensível, andando resguardado e limpo.
A plataforma pastoral com futuro, penso-a o arcebispo também no âmbito da caridade pastoral efectiva. Tinha consciência de que o “ouro que a Igreja tem não é para guardar, mas para o distribuir e socorrer os necessitados”. Acreditava na função pastoral dos bens, em benefícios dos mais desprotegidos e desamparados, sabendo que é da acção dos profetas, como guias da humanidade, que nasce uma sociedade diferente. A mira da caridade foi sempre o lema do Frei Bartolomeu. (indução e correlação)
Este dispositivo pastoral, o da caridade, alimentou a vida do arcebispo até ao fim como é contado pelo biógrafo, até ao ponto de tudo entregar no seu testamento. Trata-se de um dispositivo indispensável para a credibilidade da palavra que ilumina o mundo. Se o arcebispo foi insigne em muitas virtudes, da humildade à tenacidade, da lucidez ao trabalho, da persistência ao desprendimento, a caridade constituiu, não resta dúvida, a maior de todas as virtudes que D. Frei Bartolomeu dos Mártires praticou. Tratava-se de uma figura exemplar, na palavra, no ensino, na escrita e na acção caritativa. Abre caminhos novos e iluminados na Igreja do seu tempo e não deixa de, na nossa memória, aparecer como humanamente invulgar e lúcido do seu tempo, astuto profeta que lê nos sinais da sua vida e de tudo o que o enreda os possíveis caminhos de esperança, sábio gestor que reparte o Amor de Deus, sendo o grande “mártir” de quem falam eloquentemente as obras.
Atrevo-me a dizer: fazei vós, também, assim como fez Frei Bartolomeu dos Mártires e a nossa Igreja irá dar um salto qualitativo muito grande.

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