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buscamos nitidez nos nossos projectos pastorais (fotografia: Ricardo Correia - Reservados todos os direitos e mais alguns)

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Nota final (de dois andares a um T2)

Chegamos ao fim deste percurso pelas Metodologias de investigação em Teologia Pastoral, ou ao princípio se for percebida a mensagem que pretendo transmitir nesta nota final. De facto, qualquer de nós que fizemos este percurso de um semestre, temos a consciência da importância desta matéria e das teorias que analisamos e por vezes debatemos. Houve pouco cruzamento dos blogues. Continuo a achar que apenas um para toda a matéria da cadeira era mais lucrativo para todos. No entanto assim obrigou cada um a trabalhar o seu o que também teve vantagens. Mas não é isso que me trás aqui a esta nota final.
Há uma situação que gostaria de ter debatido mais na cadeira. Cheguei a apresentá-la nas aulas mas volto a formulá-la nesta nota final para reflexão e até para debate se alguém se disponibilizar a isso. É que a Igreja, no meu ponto de vista, tem um problema sério. Foi nesse sentido o nome que dei ao blogue no início. Perde-se muito tempo em formulações teóricas e investigação de metodologias. E muito bem. No entanto tenho a sensação que apenas de 50% para baixo é que chegam a concretizar-se e a colocar-se em prática. Falta, provavelmente, um bocadinho mais de confiança na especulação por alguns realizada. Ao mesmo tempo, a especulação é feita, na maioria dos casos, por pensadores que não estão no campo. Quero com isto dizer que neste âmbito não há suficiente ligação entre a teologia e a prática.
Faz lembrar a história dos dois andares. Os teólogos estão no primeiro andar a fazer as suas especulações e os pastores no rés-do-chão. Quando no rés-do-chão surge algum problema manda-se uma carta para o segundo andar para que arranjem uma solução especulativa que se aplique lá em baixo na prática.
Segundo o meu humilde ponto de vista, a teologia prática/pastoral tem de ser mais assertiva. Olhar de frente o problema (actual) e através do discernimento pastoral, procurar resolver o problema o mais depressa possível para que se passa passar a outro. As pesquisas qualitativas sempre vistas como apenas um momento que obedecem à fé e à teologia como subordinadas que dão um contributo importante para o conhecimento daquilo que não se conhece.
Como exemplo, podíamos pegar nesta questão importante do corte do apoio às escolas privadas por parte do Estado. O problema que se apresenta é que estamos a perder terreno na evangelização. A pesquisa qualitativa podia aqui apresentar-nos os dados das escolas existentes, da eficácia que teria a evangelização nesses escolas e o impacto que vão sofrer com estas medidas. Como forma de rezar a questão partimos do mandato evangélico da evangelização como cerne da acção fundamental da Igreja. A partir daqui, procurar alternativas para a resolução de um problema tão importante. Essa resolução podia passar por tentativa de diálogo com o governo; com a mobilização de cristãos (petições, manifestações, etc.) se estas não forem viáveis, procurar então alternativas de evangelização. É que a pastoral não é assertiva. É muito lenta. As medidas já avançaram e a Igreja pouco se mobilizou sobre este assunto. É assim, e por causa disso, que aos poucos vamos perdendo várias batalhas para a secularização e para a laicidade da vida dos portugueses. E isso vamos pagar muito caro com o passar dos anos.
Espero ter logrado os objectivos desta cadeira. Agradeço a todos os colegas pelo trabalho conjunto e pela convivência sadia nas aulas. E agradeço ao docente pela forma inovadora como foi leccionada esta Unidade Curricular.
Um Abraço a todos e até uma próxima oportunidade.

Ricardo Correia

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Metodologia de discernimento teológico-pastoral: Uma leitura de Sérgio Lanza

A metodologia de discernimento tem de englobar três dimensões fundamentais: a programação dedutiva; programação indutiva e a programação de correlação. A questão que se coloca é qual o peso de cada uma das duas primeiras e qual a melhor forma de as correlacionar. Esta correlação é o momento fundamental e mais importante na teologia pastoral/prática.
A renovação das comunidades cristãs terá de passar, por um lado, pela projectualidade (de forma a englobar a renovação das mentalidades e práticas) e pelo discernimento (que engloba a espiritualidade e a metodologia). Neste discernimento necessário não podemos cair nos extremos da utopia tradicionalista em que apenas o passado conta e se aplica no futuro nem o contrário. Assim, torna-se fundamental a decisão, a utilização dos objectos e dos meios e, se necessária, a improvisação de circunstância.
Os fundamentos de uma teologia prática/pastoral no método de discernimento estão no objecto material e formal da mesma teologia. No primeiro caso a vida de uma comunidade cristã (vida pastoral) e, no segundo caso, a vida eclesial com a sua acção, actuação e projectualidade. Sempre tendo como horizonte a fé da comunidade e da Igreja. O terceiro fundamento e o mais importante é a lei da incarnação. É aqui que se apresenta a discussão na medida em que o necessário é uma relação assimétrica (onde predomina uma, neste caso a fé) entre a referência normativa e o contexto sócio-cultural e antropológico. A fé em Jesus Cristo deve pautar sempre a acção e a prática eclesial, na medida em que Cristo incarnado é o auge, o cume, o encontro já realizado entre o divino e o humano; entre a eternidade e o tempo; entre Deus e o ser humano; entre a fé e a prática.

Tendo em conta estes pressupostos e fundamentos podemos então avançar para a metodologia de discernimento teológico-pastoral. Esta metodologia pressupõe três momentos e três dimensões. Primeiro apresento os momentos e as dimensões e depois a forma como se correlacionam.
Três momentos:
1.       Análise e avaliação (da situação com o olhar da fé)
2.       Decisão e projecção (de uma perspectiva concreta)
3.       Actuação e verificação (deve ser algo concreto e concretizável)
Sendo que o discernimento não é um momento desta metodologia, mas antes uma dimensão que perpassa por ela toda, temos também, e nesta mesma caracterização, as três dimensões que, em discernimento, devem estar presentes em toda a metodologia e sua elaboração:
·         Dimensão kairológica: num ambiente teológico do kairós, pensar a acção da Igreja numa relação constante com a situação.
·         Dimensão criteriológica: os critérios são o cerne de todo o processo que formulam e fundamentam toda a acção e toda a elaboração.
·         Dimensão operativa: sem se tornar apenas teoria, esta dimensão atira-nos para a situação de forma a mudá-la e a melhorá-la.
Como é fácil de constatar, estas três dimensões, apesar de estarem obrigatoriamente presentes nos três momentos predominam, cada uma respectivamente no primeiro, segundo e terceiro momento.
A teologia do discernimento implica sempre uma leitura cristológica da realidade, este Cristo imagem de Deus no meio do ser humano, e sob o influxo do Espírito Santo. Neste sentido, e como nos sugere a Gaudium et Spes, há uma necessidade inequívoca de estarmos atentos aos sinais dos tempos para poder-mos, como Igreja de Cristo, e como ele mesmo fez, ir ao encontro dos anseios do mundo. O discernimento procura compreender, antes de aplicar princípios teológicos que redundam em nada; procura impulsionar a comunhão eclesial e a sua renovação; procura colocar em funcionamento a grande realidade do Corpo Místico de Cristo. Não há teologia prática/pastoral individual ou solitária. Ou se faz e se faça em comunhão ou não será verdadeira teologia prática/pastoral. Para isso, o discernimento deve ter um quadro comunitário de referência. Discernir pode ser, nesta dimensão, sinónimo de conversão à (e para a) humildade, paciência, sabedoria, caridade e testemunho.

Teologia prática versus pesquisa qualitativa

Um dos problemas com que se depara a teologia pastoral/prática nos vários métodos ou metodologias, especialmente a partir da correlação, é a (im)possibilidade de conjugação entre o método (metodologia) de teologia prática e a pesquisa qualitativa. Como chegar à verdade, tendo em conta a revelação, ou como podem as pesquisas qualitativas chegar à teologia?
Recorremos à formulação e ajuda dos autores John Swinton and Herriet Mowat.
Em primeiro lugar fazem uma distinção fundamental, na qual reside a solução para esta problemática, entre método e metodologia. Uma metodologia é uma visão global de um caminho para chegar à meta. Já um método é uma visão mais concreta ou um momento da metodologia. Assim, uma metodologia pode ter vários métodos.
Neste sentido, os métodos da pesquisa qualitativa são um momento da teologia prática e da sua metodologia. É aqui que entra em vigor a correlação numa junção dos dados existenciais e teológicos.
A correlação privilegia sempre a revelação e a fé, no entanto tem a necessidade das impressões recolhidas pelas pesquisas qualitativas sobre um mundo que não conhece na sua totalidade. Com Sérgio Lanza temos a oportunidade de melhor reflectir sobre esta metodologia da correlação.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

MITP – sumário (aula 4) 02-11-2010

Toda a investigação redunda em texto
Análise de conteúdo – é a técnica que analisa as comunicações obtidas para delas obter as conclusões importantes para o estudo. Esta análise de conteúdo tem várias patentes. Entre elas temos:
·         Análise dos textos
·         Análise do explícito (recordando possíveis expressões que ocorreram)
·         O texto expressa também ideias do autor
·         Aspiramos, no entanto, à objectividade
·         Procura obter e perceber algum fenómeno exterior ao texto

Procedimentos:
Ø  Fechados – quando previamente é formado um quadro teórico a preencher
Ø  Aberto/exploratório – quando são os dados que vão dar origem aos conceitos do quadro teórico
Ø  Misto – quando junta os dois procedimentos anteriores

O processo:
1 – Leitura flutuante do texto
2 – Codificação do material

Três unidades a considerar:
ü  Unidade de registo – fragmento que se toma por indicativo de uma característica
ü  Unidade do contexto – fragmento do texto que engloba a unidade de registo e a situa no texto
ü  Unidade de enumeração

Categorização:
Classificar agrupando as unidades de registo. Simplifica os dados em grupo e permite uma leitura muito mais rápida, prática e concisa.

sábado, 6 de novembro de 2010

MITP - Análise de Documentos: método de recolha e análise de dados

Aa.Vv.: Sílvia dos Santos Calado e Sílvia Cristina dos Reis Ferreira (Mestrado em Educação – Didáctica das ciências) resumo:

Introdução

Existem três grandes grupos de métodos de recolha de dados: a observação; o inquérito oral (entrevista) ou escrito (questionário) e a análise de documentos. Estes três métodos podem ser utilizados em conjunto permitindo recorrer assim a várias perspectivas sobre a mesma situação, obtendo informações diferentes que podem ser comparadas e trianguladas.
Concretamente, a análise de documentos pode ser usada em duas perspectivas: pode servir para completar a informação obtida pelos outros métodos ou pode ser o método de pesquisa central ou mesmo exclusivo.
Para abordar a análise documental é necessário clarificar alguns conceitos: dado – um dado suporta uma informação sobre uma realidade; documento – é uma impressão deixada num objecto físico por um ser humano; análise – consiste na detecção de unidades de significado num texto e no estudo das relações entre elas e em relação ao todo. Neste sentido, os documentos são fontes de dados brutos; Para o investigador e a sua análise implicam um conjunto de transformações, operações e verificações realizadas a partir dos mesmos com a finalidade de lhes ser atribuído um significado relevante em relação a um problema de investigação.  

Recolha de documentos

1 – Localização dos documentos
A localização dos documentos é muito variada e geralmente é a própria natureza do estudo que orienta o investigador para as variadas e determinadas fontes. É necessário conhecer o tipo de registos e informações que existe numa determinada organização ou instituição.

2 – Natureza dos dados documentais
Existem fontes primárias cuja produção de documentos foi efectuada durante o período a ser investigado. Existem, depois, as fontes deliberadas produzidas com o intuito de servir a futuras investigações. Dentro das primárias podem ainda ser inadvertidas que são as mais comuns e valiosas e resultam do normal funcionamento do sistema em estudo e são usadas pelo investigador em sentido diferente daquilo para que foram criadas. Já as fontes secundárias são interpretações de eventos do período de estudo, baseadas nas fontes primárias.

3 – Selecção de documentos
Esta é muito influenciada por um factor de investigação muito importante, o tempo disponível. Por norma, a quantidade de material é sempre excessiva e é necessária uma estratégia de selecção onde não devem ser incluídas demasiadas fontes deliberadas; não incluir demasiados documentos que apontem o ponto de vista do investigador; tentar ao máximo cumprir os prazos planeados. Ao mesmo tempo pode ser muito prático recolher ao mesmo tempo os documentos e, simultaneamente, ir fazendo uma pré-análise, uma vez que pode ajudar muito na escolha dos documentos e selecções.

4 – Análise crítica dos documentos
A análise crítica dos documentos é fundamental no sentido de ser necessário controlar a credibilidade e o valor dos documentos e informações a recolher e dos já recolhidos, bem como a adequação destes às finalidades do projecto. Para isso deve ser feita uma avaliação da autenticidade das fontes e outra avaliação à exactidão ou valor dos dados.

Análise de conteúdo

A análise de conteúdo pode considerar-se como um conjunto de procedimentos que têm como objectivo a produção de um texto analítico no qual se apresenta o corpo textual dos documentos recolhidos de um modo transformado.

1 – Redução dos dados
Do conjunto amplo e complexo dos dados pretende chegar-se a elementos manipuláveis que permitam estabelecer relações e chegar a conclusões. Em primeiro lugar é necessário que o investigador efectue a separação em unidades relevantes e significativas e daí considerar as unidades em função do tema em investigação. As unidades devem, então, ser classificadas segundo determinada categoria de conteúdo. Estas categorias podem definir-se a priori (de acordo com as hipóteses que orientam a investigação) ou a posteriori (a partir dos próprios dados obtidos faz-se uma investigação de teor interpretativo). Depois de feita a categorização segue-se o processo de codificação, processo físico mediante o qual se realiza a categorização. Trata-se de uma operação na qual se coloca em cada unidade estabelecida um determinado código próprio da categoria em que o investigador a considera incluída.

2 – Apresentação dos dados
Os processos de redução dos dados simplificam a informação e, assim, facilitam a obtenção das conclusões. A quantificação dos dados pode fazer-se em forma de uma matriz numérica onde os valores de cada célula correspondem às frequências alcançadas nas diferentes categorias de cada unidade considerada para o estudo.

3 – Conclusões
As conclusões não devem limitar-se à apresentação ordenada dos dados devidamente reduzidos mas antes, devem implicar maiores níveis de inferência. As conclusões devem surgir de afirmações obtidas progressivamente desde o descritivo ao explicativo e desde o concreto ao abstracto.

Vantagens e limitações da análise de documentos

Vantagens: permite evitar o recurso abusivo às sondagens e aos inquéritos por questionário; os documentos, geralmente, podem obter-se, geralmente, a baixo custo ou gratuitamente; os documentos proporcionam informações sobre ocorrências passadas que não se observaram ou assistiram.
Desvantagens: nem sempre é possível o acesso aos documentos; os documentos podem não obter informação detalhada; os documentos podem ter sido alterados, forjados ou falseados; muitas vezes os investigadores não explicitam as ferramentas conceptuais e lógicas que usaram para chegar a determinadas conclusões sobre a realidade educativa estudada. 

Crítica pessoal

O documento apresenta boa fundamentação e um português bastante razoável. O conteúdo está bem seleccionado e sistematizado. A única crítica negativa que aponto é a utilização de exemplos muito no âmbito da área em que se situam as autoras; apesar de isso ser positivo para os objectivos do seu trabalho, tornam o documento muito mais limitado e menos universal e utilizável.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

MITP – reflexão sobre as metodologias de investigação

Tendo em conta o resumo das várias metodologias que foram apresentadas neste blogg (sumário metodológico) apresento uma pequena reflexão sobre as mesmas que será seguida de um exemplo concreto. Há três temas que considero fundamentais no que toca às várias metodologias.
Em primeiro lugar a questão da correlação. Trata-se de um marco importante a passagem de duas visões extremas (dedução e indução) para metodologias que têm em conta as duas visões que se complementam.
Em segundo lugar a importância devida dada à teologia. De certa forma surge também com o método da correlação. Estava ausente (a teologia) no método dedutivo, no que toca à teologia prática ou pastoral e estava ausente no método indutivo, a teologia em geral. Depois do método da correlação surgem métodos que têm em conta um grande equilíbrio na importância dada à teologia, assim como as ciências sociais.
Por último, a importância das ciências humanas neste campo é fundamental, como já foi afirmado no final da publicação sumário metodológico.
            Gostaria, no entanto, de referenciar um assunto muito importante que será elucidado com o exemplo de Frei Bartolomeu dos Mártires. A Teologia Prática Pastoral, ainda que verdadeiramente enriquecida com as variadas metodologias, não pode esquecer nunca que o fundamental da sua acção e reflexão é o contexto em que se pretende aplicar. Cada contexto é um caso que exige aplicações próprias e particularidades, que não podem nunca ser todas precisadas em inúmeros métodos que possam surgir. Frei Bartolomeu dos Mártires é um exemplo claro e elucidativo. Tendo em conta o seu contexto, numa altura em que a Teologia Prática nem existia como ciência ou cadeira fundamental, este arcebispo foi o precursor de vários elementos das várias metodologias que iriam aparecer.

MITP - Frei Bartolomeu dos Mártires - um percursor de metodologias de investigação

O que aqui se apresenta é um resumo da actuação pastoral de Frei Bartolomeu dos Mártires na sua época e tendo em conta o seu contexto. Este texto resumo tem como base bibliográfica o IV capítulo da obra "Teologia Prática Fundamental - Fazei Vós Também" de José da Silva Lima (pp. 154-177). Pode ser pretensiosa a colocação dos vários métodos de teologia pastoral que aparecem em itálico, no fim de alguns espaços do texto. Não se trata, como é óbvio, da utilização clara da metodologia, no entanto, algumas das suas características e etapas estão claramente presentes.  
Frei Bartolomeu dos Mártires surge depois do Renascimento, no caminho da Igreja de Braga, na transição da Idade Média para os séculos da modernidade. Em pleno século XVI, nos alvores de uma transformação radical do posicionamento do Homem no mundo. Tempo da Contra-Reforma, pós Lutero e Erasmus. D. Frei Bartolomeu dos Mártires, arcebispo de Braga entre 1558 e 1590, no seu contexto traça horizontes pastorais de envergadura numa acção eclesial concertada a partir das ideias de Trento. (discernimento e projecção).
Na sua missão, o arcebispo empreendeu um trabalho de fôlego, não deixando nenhuma igreja sem visita, inteirando-se assim do estado real da sua grei, não só pelos diálogos e pelo anúncio da doutrina, mas pelos sinais concretos de indigência, de desleixo e de míngua que diagnosticou. Mostrando solicitude pastoral, enfrentando as situações, não perdia as ocasiões próprias para exortar, repreender, castigar e também consolar e socorrer espiritualmente e materialmente o seu rebanho. (ver, julgar e agir).
D. Frei Bartolomeu dos Mártires presidiu à primeira diocese de Portugal, a maior em paróquias e a mais abastada em rendimentos, embora onerada com muitas pensões e povoada de muitos pobres e infelizes.
Se o tempo de D. Frei Bartolomeu dos Mártires era de excessivo centralismo romano, assemelhando-se o papado a um grande império e o Papa ao imperador que dispunha das coisas do tempo por influências, desenvolvendo o nepotismo, exigindo taxas e usando as bulas nem sempre com o rigor que espiritualmente seria exigido, foi também uma época marcada pela acumulação de benefícios, cujos rendimentos caíam repetidas vezes nas mesmas mãos, num sistema de favores a famílias de príncipes e num desconhecimento quase completo dos fregueses e da sua forma de vida. 
O sistema vigente alimentava um vírus pernicioso no tempo, pernicioso particularmente para a cura de almas, dado que muitas vezes os beneficiários nem conheciam benefícios nem fregueses. Grave era o que se passava no domínio do absentismo, contra o qual o arcebispo desenvolveu um a luta sem trégua.
O tempo era também o de um marcado superficialismo, atribuindo importância ao exterior e à fachada das coisas e relegando para o campo acessório as realidades mais estruturantes da fé. Nos mosteiros a situação não era de louvor, nem um número nem em qualidade. Eram todos de baixa condição, mais para cavar do que para o ofício divino, ocupados em tratar das hortas e preparar a sua comida. O panorama é também desolado no quadro do clero diocesano, não só pelo “desamparo” diagnosticado em relação “às pobres ovelhas”, dada a ausência e a ocupação noutros afazeres, mas também porque se instalaram a frieza, a negligência, os vícios, a ignorância e muitas vezes a desonestidade com o mau exemplo de vida subsequente.
A míngua espiritual e a ignorância dos pastores, denotando superficialismo e apego aos bens terrenos, reflectiam-se na situação religiosa do povo de Deus. O povo reflectia este estado de coisas: a ignorância religiosa era comum, repercutindo-se no desrespeito pelas normas de santificação do domingo e das festas de guarda; crendices, superstições, blasfémias, práticas de tipo natural, desregramentos morais no foro familiar e pessoal, atentados à vida em práticas abortivas. Um quadro geral do povo simples que remete para uma ausência de recursos humanos qualificados, para a inexistência de subsídios pastorais de interesse (como catecismos e manuais adequados), para a inércia e mesmo para a letargia de fôlego espiritual que o Concilio de Trento e o arcebispo de Braga recuperaram, protagonizando uma trajectória de renovação pastoral. (método de discernimento teológico-pastoral).
O sistema operativo que faria avançar uma acção pastoral de profunda renovação com futuro, assentava na plataforma inequívoca da formação dos agentes, já que todos necessitavam dela, era um direito dos fiéis e, por isso, também um dever de incentivo para com os clérigos, então agentes imprescindíveis do empreendimento pastoral. Impunha-se uma profunda estruturação da formação, estruturação que produzisse a médio prazo os seus efeitos e que pudesse também responder aos problemas de moralidade que se revelavam de urgência. (caminho empírico crítico)
A moral foi sempre uma preocupação do prelado, sobretudo o sentido pastoral do dever de conhecer os seus fundamentos doutrinais, voltado que estava para a instrução daqueles que se dedicavam à cura de almas. As cadeiras de casos de consciência nasceram com este objectivo. A correcção de costumes só seria possível se houvesse preparação doutrinal que fundamentasse à luz do Evangelho as práticas cristãs aconselháveis. Tratava-se de uma necessidade urgente, para que os párocos se convencessem e elucidassem os fregueses na confissão.
A preparação do clero teve a sua coroa na criação do Seminário Conciliar, que o Arcebispo considerava uma coluna fundamental da Reforma. Pretendia um seminário que preparasse clero abundante e cultural e espiritualmente apto para resolver os graves problemas pastorais da Arquidiocese, objectivos que defendeu em Trento e que viu integrados no Cânone conciliar dos Seminários para seu júbilo e sobretudo para a restauração da Igreja.
A cultura, porém, ministrada pelas escolas, com dificuldade alcançava a massa anónima das aldeias e cidades. Era preciso recorrer ao livro, que adestrasse na virtude e no saber os párocos e directores de almas. Tinha o arcebispo solicitado a tradução da Suma Caetana para ajudar os párocos na cura de almas, resolvendo particularmente os casos de consciência e esclarecendo os princípios de teologia moral, imprimindo-o em 1566. Já antes o arcebispo tinha levado à estampa o Tratado de aviso dos Confessores, impresso em 1560. Nas Considerações para pregar, escritas em Trento e inspiradas em Santo Agostinho o Pastor da Igreja de Braga insistia sobre a missão do pregador, não tanto afinada ao seu luzimento e louvor, mas sobretudo voltada ao ensino e à instrução doutrinal. Não importava apenas, segundo o Arcebispo, fazer face à importância da elucidação da consciência individual, criando um universo simbólico cristão, mas importava também fazer da Liturgia um momento solene de evangelização. A situação do clero não o permitia. Poucos eram idóneos para uma preparação conveniente. A “prática” da missa, que para tal poderia ser aproveitada, era simplesmente negligenciada. Os pastores não estavam preparados. O Catecismo ou Doutrina cristã e Práticas Espirituais, escrito e publicado na altura do Sínodo de 1564, é um instrumento para acorrer à insuficiência de muitos curas neste ministério da palavra, todo entretecido de instruções doutrinais, em forma de homilia, lidas obrigatoriamente à assembleia crista, à estação da missa, nos dias festivos, sob pena de desobediência e de multa por cada vez que os curas omitissem a leitura. Estavam assim disponíveis os subsídios pastorais indispensáveis para que ao cura de almas não faltasse o acesso à doutrina que deveria partilhar de forma permanente com o seu povo. (método dedutivo).
Num dispositivo pastoral que edificou, o perfil de “pároco ideal” comportava dez traços característicos. Não se trata de um funcionário da paróquia, mas de alguém com missão pastoral velando e guardando que Deus não seja ofendido. Pertence-lhe, também, socorrer espiritualmente e trazer à vida da graça os infelizes pecadores. Para isso obriga-se o pároco a estar no meio do seu rebanho, acudindo às necessidades. Deve ele antecipar-se a conhecer a sua grei, possuindo um “ficheiro paroquial” como auxiliar da sua missão. Terá especial atenção à família, já que ela é a alma da paróquia. O pároco é na paróquia quase o que o Bispo é para a diocese, donde dimana a sua atenção à prática das obras de misericórdia. A sua actuação terá a preferência dos mais pobres, avisando o prelado dos mais necessitados, a quem ele nem por si, nem pedindo pela freguesia, pode socorrer. Cuida da pregação da palavra, por si ou por outrem, de forma que os fregueses possam repreender os seus vícios. Seja ministro digno do sacramento da penitência. Procure uma consciência irrepreensível, andando resguardado e limpo.
A plataforma pastoral com futuro, penso-a o arcebispo também no âmbito da caridade pastoral efectiva. Tinha consciência de que o “ouro que a Igreja tem não é para guardar, mas para o distribuir e socorrer os necessitados”. Acreditava na função pastoral dos bens, em benefícios dos mais desprotegidos e desamparados, sabendo que é da acção dos profetas, como guias da humanidade, que nasce uma sociedade diferente. A mira da caridade foi sempre o lema do Frei Bartolomeu. (indução e correlação)
Este dispositivo pastoral, o da caridade, alimentou a vida do arcebispo até ao fim como é contado pelo biógrafo, até ao ponto de tudo entregar no seu testamento. Trata-se de um dispositivo indispensável para a credibilidade da palavra que ilumina o mundo. Se o arcebispo foi insigne em muitas virtudes, da humildade à tenacidade, da lucidez ao trabalho, da persistência ao desprendimento, a caridade constituiu, não resta dúvida, a maior de todas as virtudes que D. Frei Bartolomeu dos Mártires praticou. Tratava-se de uma figura exemplar, na palavra, no ensino, na escrita e na acção caritativa. Abre caminhos novos e iluminados na Igreja do seu tempo e não deixa de, na nossa memória, aparecer como humanamente invulgar e lúcido do seu tempo, astuto profeta que lê nos sinais da sua vida e de tudo o que o enreda os possíveis caminhos de esperança, sábio gestor que reparte o Amor de Deus, sendo o grande “mártir” de quem falam eloquentemente as obras.
Atrevo-me a dizer: fazei vós, também, assim como fez Frei Bartolomeu dos Mártires e a nossa Igreja irá dar um salto qualitativo muito grande.